terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Planetário de Brasília - uma experiência (by Ivens Rocha)

Expectativa é uma merda. Expectativa criada por propaganda, nem se fala.

Este post pode ser confundido como mais um post no estilo "classe média sofre", mas é uma boa forma de refletir sobre o destino do dinheiro que pagamos em impostos. 

Pra quem não sabe, em dezembro do ano passado o Governo do DF na gestão do Governador Agnelo  do PT reabriu o Planetário, logo atrás do Centro de Convenções Ulysses Guimarães.

É uma iniciativa louvável, pois a capital do país carece de templos educacionais científicos.

Sempre fui apaixonado por astronomia, por aquelas imagens de lugares e esferas longíquas flutuando na solidão do espaço (imagine isso com Enya tocando ao fundo). Adorava assistir a saga de Cosmus, de Carl Sagan, quando, após um dia de trabalho e estudos cansativo, me deitava e me cobria em uma região fria, que é o Sul de Minas e assistia a cada frase de Sagan, cada imagem, com muita atenção e às vezes até me emocionava. Nunca entendi o que me deixava emocionado, mas deixava.

A inauguração do Planetário me deixou tão animado que convenci a minha namorada a fazer este programa de índio logo nos primeiros dias, mas infelizmente a demanda era gigantesca e as filas idem, o que já estamos acostumados em pontos turísticos recém lançados (esperamos 1h30 nos primeiros dias de reinauguração da Torre de TV Digital). Adiamos.

A expectativa aumentava cada dia mais, a cada propaganda na TV do GDF anunciando que "este governo acaba de reinagurar o Planetário, que estava há trilhões de anos-luz fechado, mas este governo é bondoso e este governo é caridoso e agora todos vão poder usufruir da maravilha que é o projetor que este governo adquiriu e que existem somente outros dois lugares do mundo que possuem tão avançada tecnologia. Este governo é bom, acredite!".

O dia chegou, compramos dois quilos de alimento não-perecível e trocamos por dois ingressos para a sessão das 18h30 de Sábado. Todas as outras sessões já haviam se esgostado, em uma impressionante demonstração do quão famintas por experiências e conhecimento as pessoas são.

Chegou a hora! Adentramos a cúpula e eu, na minha inocência e ignorância, tive minha primeira surpresa: não, não temos um guia para explicar fotos e fatos. Eu achava que a cúpula com a exibição de vídeos dos planetas, das estrelas, da Terra seria guardado para o final, assim como guardamos a melhor comida do prato para saborear aos poucos ao final da refeição. Mas tudo bem, era coisa que apenas eu esperava, nada demais. Vamos que vamos! Vai ser muito bom, afinal, é o projetor bambabam que o GDF comprou da Alemanha e anuncia a cada intervalo da programação da TV Globo, não é?

Sentamos nas primeiras cadeiras, de frente para um trambolho azul o que, percebemos depois, atrapalhou a visão em linha reta, fazendo com que minha namorada tivesse que assistir olhando apenas para cima e ignorando as partes da frente. Mas tudo bem, nada que incomode. Tudo vale a pena para presenciar o espetáculo do universo. E pode ser que esse trabolho tenha alguma utilidade que eu não saiba, no fim das contas. 

Ledo engano. Apagaram-se as luzes e iniciou-se o filme "A Origem da Vida", que parecia um filme de animação criado em 1995, com personagens e movimentação patéticas e informação que pode ser facilmente adquirida em um simples assistir de TV em canais abertos, como TV Cultura e Futura.

Não mostrava nada de interessante e a qualidade do "super projetor" não era aparente pois o filme exibido foi extremamente mal feito. Até em "Família Dinossauro" os dinossauros eram bem-feitos! Como diabos conseguiram fazer os do filme parecerem ter sido feitos por estagiários do curso técnico de desenho 3D da Bolívia?

Minha namorada disse com razão que nem os episódios do Chapolin, com os famigerados aerolitos, foram tão ruins. Se tivéssemos assistido Chapolin teria valido mais a pena, pois as crianças presentes teriam aprendido que por mais difícil que seja, Chapolin sempre conseguia seus objetivos e fazia o trabalho. Talvez os gerentes do projeto do Planetário do GDF devessem assistir mais SBT.

Notei uma criança sentada ao meu lado e fiquei pensando se para ela, aquele vídeo de qualidade ruim seria interessante mesmo assim. Hoje, nem para crianças de 5 anos aquele filme convence. Em um mundo onde minha sobrinha de menos de 1 ano já sabe segurar o celular e apertar o controle remoto, as crianças crescem vendo animações bem feitas da Pixar, video games de última geração e conteúdo abrangente e de graça disponível na internet. Nem para a criança o Planetário serve.

De repente, exatamente às 18h55, o filme acaba e as luzes se acendem. As pessoas continuam sentadas em suas cadeiras - pais e filhos animados para o início da jornada nas estrelas e na Terra, excitados pela oportunidade de presenciar a beleza do universo e contemplar com imagens deslumbrantes a "pequena bola azul" navegando pelos mares do infinito. Vai começar. As cortinas se abrem e o narrador fala "Obrigado pela presença!". 

Ouvimos na cadeira de trás uma menina por volta de seus 7 anos: "já acabou?". Sim, pobre garota.

Segundo minha namorada, o Planetário de Goiânia é (ou era) muito melhor do que o de Brasília. Mostrava vídeos das missões da Apolo, dentre outras coisas realmente interessantes e mais bem feitas.

Isso me fez refletir o quanto os brasileiros somos acostumados a receber migalhas. Inflação subindo e ano após ano o governo batendo recorde de impostos arrecadados. Quando recebemos o presente de um Planetário ou algo que tenha o dedo do governo, pode parecer que estão fazendo um favor, mas não estão. É nosso dinheiro, pago com nosso suor que é usado e tão mal usado, é dinheiro jogado no lixo, jogado às traças.



É um reflexo do poder que o Estado tem para estragar tudo o que toca. O Estado é um midas invertido, estraga, corrompe, destrói, a cada máquina de asfalto que passa e que deixa para trás tampas de bueiro quebradas, bocas de lobo abertas, a cada entrega de cartas atrasada, a cada alfândega incompetente, a cada hospital que deixa para trás pessoas curadas, mas desrespeitadas. Menos Estado, por favor."

2 comentários:

  1. O planetário de Brasília receberá nova gestão.

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    1. Boa notícia, Hebert. Parece que será necessário mesmo mudar a gestão... Abraço!

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