Uma das quadras que dá acesso à estação Águas Claras do metrô é, para mim, um exemplo emblemático dessa relação. Essa quadra abrange a Avenida Castanheiras, as ruas 24 e 25 Norte e, se não me engano, a Boulevard. Por uma conjunção astral não tão incomum na cidade, calhou de a quadra se constituir num canteiro de obras a céu aberto: há vários prédios sendo construídos, de forma simultânea.
Ora, dirá o querido leitor, causar espanto, algo tão comum como edifícios vizinhos sendo construídos ao mesmo tempo? Não é exatamente isso que causa o tal do espanto, pois sei - e às vezes até aprecio – essa característica da cidade, que se ergue ao alto e avante. Não somente sei, mas também entendo que, diante de tantos prédios a serem construídos, de tantas variáveis a equacionar, a política da boa vizinhança implora por um bocadinho de paciência. É compreensível, portanto, que, durante um certo período de tempo, haja barulho e pó, caminhões e entulho, pedras mil pelo caminho.
O que me causa espanto e perplexidade, entretanto, é que o entendimento de uma saudável política de boa vizinhança não se espraia no campo da reciprocidade. Em bom português: tudo se espera do morador, nada fazem as construtoras pelo bem comum. Continuemos com o exemplo.
No caso da quadra que citei, foram construídos quiosques (oi?) de trabalho nas calçadas, ou seja, há pequenos barracos de madeira, onde estão algumas máquinas e onde ficam alguns trabalhadores da obra. Nas calçadas (ou no território a elas destinado, melhor dizendo). Do lado de fora (conceito que, como o leitor atento pode perceber, parece ser indistinguível ao bom capitalista erguedor de arranhas-céus). Pedestre, portanto, deve ir para a rua.
O problema é que a rua, bem, a rua... Há que se estacionar os caminhões e as máquinas. Onde mais, que não na rua, durante todo o tempo? O pedestre (lembram-se dele?) passa então a disputar, numa concorrência desleal por natureza, em que já é perdedor antes que o jogo comece, espaço com os carros que, inadvertidamente, também se esgueiram por entre a água suja e a lama que escorre de um prédio ou outro. Em suma, parece-me tão gentil e sustentável, do ponto de vista da boa convivência, que as próprias construtoras, tão vorazes na sua sede de espaço e território, por elas mesmas cuidassem de oferecer uma nesga, um fiapo, uma trilhazinha para que o pedestre possa exercer o direito sagrado de ir e vir, expressão de um valor absoluto para a espécie humana: a liberdade.
O que mais me espanta, entretanto, tolinha que sou, é que este é um fato que se repete ad infinitum por toda a cidade. É fato devidamente anunciado e documentado por moradores distintos, em momentos mil, com preferências políticas diversas. Todos os dias, de forma até religiosa, cidadãos que precisam transitar pela cidade reclamam e gritam e reivindicam, até porque, se estão abertos à paciência e à boa vizinhança, a pagar seu tributo (mais um?) à vida em sociedade, encontram, do outro lado, a empáfia indiferente de quem tem coragem de avançar com tapumes sobre um ponto de ônibus. Encontram a mente do engenheiro e de seus prazos, mas não encontram a calçada, perdida nos desvãos da impunidade.
Gostaria de entender o silêncio e o descaso, até porque acredito piamente que deve haver uma explicação.
Eu só não consigo entender qual é, sem transitar pelos corredores da suspeição.